A população do povoado de Mahangate, localizado a 80 km do Posto Administrativo de Mavanza, no distrito de Vilankulo, província de Inhambane, vive um verdadeiro drama caracterizado pela falta de quase tudo, com destaque para os serviços sociais básicos. Para aceder a uma unidade sanitária, por exemplo, é obrigada a percorrer mais de 50 quilómetros até à localidade de Belane. E, muitas vezes, quando lá chega, não encontra medicamentos ou é mal atendida. As mulheres grávidas são as principais vítimas, pois são forçadas a dar à luz em casa ou a caminho da maternidade, colocando em risco as suas próprias vidas.
Texto: Anastácio Chirrute, em Inhambane
Localizado a mais de 80 km do Posto Administrativo de Mavanza e a mais de 200 km da cidade de Vilankulo, o povoado de Mahangate alberga uma população estimada em mais de 10 mil habitantes, a maioria dedicada à criação de gado bovino e caprino e à agricultura de subsistência. Esta é uma região onde só sobrevive quem tem estômago resiliente e capacidade para suportar a fome, a seca e a solidão.
Em Mahangate, falta quase tudo. Não há rede de telefonia móvel, tornando difícil comunicar com familiares que vivem ou trabalham no povoado. A população é privada dos seus direitos mais básicos, incluindo o acesso a cuidados de saúde. Em caso de doença, os habitantes são obrigados a percorrer mais de 50 km até Belane. Devido a esta situação, muitos partos ocorrem em casa ou a caminho do hospital, com riscos graves para mães e bebés.
O drama das mulheres grávidas
Ângela Filimão, de 34 anos, é um exemplo das muitas mulheres que carregam as cicatrizes de partos traumáticos. Mãe de dois filhos, conta o drama que viveu para os trazer ao mundo.
“Tive de dar à luz dentro de uma viatura a caminho do hospital. Só me salvei e salvei os meus bebés graças à ajuda de pessoas de boa vontade. Aqui, para ir ao hospital, temos de percorrer 50 km até Belane ou mais de 200 km até Vilankulo. É muito difícil, porque é preciso dinheiro para o transporte. Muitos de nós não trabalham e há dias em que dormimos sem comer. Para as mulheres grávidas, é ainda pior: juntar a dor do parto às más condições das estradas tira-nos o sono”, desabafa.
Rebeca Vilanculos, grávida do seu quarto filho, partilha da mesma angústia. “O meu primeiro filho nasceu em casa porque o meu marido não tinha dinheiro para alugar um carro. Quase morri. Agora estou grávida de sete meses e não sei o que me espera. Todos os dias enfrentamos longas caminhadas para chegar a uma unidade sanitária. É desesperante.”
Mortes que podiam ser evitadas
Amâncio Vilanculos, residente em Mahangate há mais de duas décadas, já perdeu a conta aos amigos e familiares que morreram por falta de assistência médica.
“Muitos não chegaram a tempo ao hospital. Outros chegaram, mas não havia medicamentos. Deram-lhes apenas receitas, e os remédios tinham de ser comprados em farmácias privadas, onde os preços são proibitivos”, conta, acrescentando ser esta a principal razão para que a maioria da população recorra à medicina tradicional.
Sem escola, sem futuro
Mahangate não tem ensino secundário. A única escola existente, construída por um investidor turístico, oferece apenas aulas da 1.ª à 6.ª classe. Para concluir o secundário, os alunos têm de se deslocar para Belane ou Mavanza, o que leva muitos a abandonar os estudos.
Albano Vilanculos, pai de oito filhos, vê o sonho de os ver formados esbarrar na falta de recursos. “Três dos meus filhos terminaram a 6.ª classe, mas não tenho como pagar para que continuem a estudar noutra localidade. Sem educação, muitos jovens acabam em casamentos precoces ou no trabalho infantil.”
Um povo esquecido no coração de Inhambane
A ausência de energia eléctrica trava qualquer iniciativa de desenvolvimento. João Massingue, por exemplo, viu os seus sonhos de negócio ruírem por conta desse aspecto. “Tenho congeladores e máquinas de solda, mas não posso usá-los. Vivemos à luz de velas e candeeiros. Se quisermos algo fresco, temos de ir até à vila. Aqui, só temos mal-cuado e tô-tô-tô, duas bebidas de fabrico caseiro típicas da zona sul do País.
O problema das estradas é igualmente crónico. A via de acesso a Mahangate é um areal estreito, onde só circulam viaturas com tração às quatro rodas. Se dois carros se cruzam, um tem de sair da estrada e entrar no mato, dificultando ainda mais a mobilidade. Na época das chuvas, a circulação torna-se quase impossível, danificando os veículos e isolando ainda mais a população.
Em bom rigor, Mahangate parece uma ilha abandonada, onde até o telefone é um luxo raro. Enquanto os habitantes lutam pela sobrevivência, empresas estrangeiras exploram os recursos minerais da região. Este é o retracto de um povo que vive no “portão do inferno”, esquecido pelas autoridades e condenado a mais dura das resistências. Até quando?
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ESQUECIDO PELAS AUTORIDADES : Mahangate: o “portão do inferno” em Vilankulo
abril 15, 2025
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